Sim, estamos falando de mim.
Escrever é o ato de dizer: "eu PRECISO que você saiba disso aqui, ó" e isso em muitas medidas uma gigantes arrogância, porque esse é o momento de imbuir-se da máxima autoridade em algo. Agora você está vendo onde esse texto autodestrutivo está indo, né?
É um prazer escrever um texto, seja um tweet, um conto, um romance ou uma lista de supermercado. A lista de supermercado, assim como as leis e os manuais de instrução são conjuntos de palavras cujo objetivo e forma são bastante óbvios - informar. A lista de supermercado está lá e você não tem liberdade de interpretar o texto a seu bel prazer. Se tem ovos na lista, é ovos que é para comprar, não uma fonte de proteínas magra qualquer. Se tem sabão em pó na lista, é sabão em pó que você vai comprar. Não tem mensagem escondida aí.
E se você está pensando que a marca do sabão em pó não está escrita na lista e o texto pode ser interpretado pelo leitor isso significa que você não é casade.
Se o texto não é uma lista de instruções ou um manual de procedimento, pode então possuir significados escondidos e interpretações possíveis. Isso faz do texto, arte. Por que a arte dialoga com as essências do ser humano e propõe discussões e reflexões e blá, blá, blá que você lê nas paredes da bienal. Tudo verdade, infelizmente. O texto bão das coisa conta a história da Mariazinha mas nas entrelinhas está explicando sobre a importância do luto. Ou conta a história do Joãozinho mas é tudo uma grande analogia para a importância da família não tradicional.
Ou você acha que Frankenstein só fala sobre um monstro?
Em algum lugar alguém disse que a fantasia ou a ficção ou alguma coisa assim é como uma janela: você acha que está olhando para o outro lado quando na verdade está olhando para a própria cara.
Bonito isso, né? Não sei quem disse, onde, quando e em qual contexto.
Mas aí, para que o livro da Mariazinha fale realmente sobre luto, o autor tem que manjar de luto. E manjar mesmo! E no próximo livro tem que manjar da família não tradicional! E no outro sobre saudade, e no outro sobre o sentimento de potência e no outro sobre como as meninas tem inveja do pênis dos meninos (isso quem falou foi o Freud, tá?).
Ou seja, tem que virar o dono temporário da verdade. O locatário da verdade.
E ninguém gosta de um caga regras. Nem eu. Mas a outra opção é escrever a história da Mariazinha que não tem inveja do pênis de ninguém e não significa nada e não dialoga com a essência do ser humano e nem fala sobre o vazio do existêncialismo contemporâneo.
Que meda...
Eu queria dizer que odeio ser o dono da verdade e que enfrento meu dever cívico de escrita com brio e galhardia, apesar de ser um homem bastante humilde e de hábitos simples. Mas a real é que abrir um espaço no mundo, pequeno que seja, e brincar de deus é legal para um carajo! Eu crio montanhas, vales, leis da física, tecnologias que não exisitirão nunca, feitiços e bruxarias, crio pessoas inteiras, dou nome, vejo crescer e as mato sem uma lágrima sequer. É meio como jogar The Sims. Mas mais. Muito mais.
Só que sempre haverá o panteão dos outros deuses para onde eu posso levar meu universozinho de adoradores. E lá, meu amigo, minha amiga, lá é onde o bicho pega. Escritor tem a obrigação de
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... e depois chorar no banho sozinho, coletar os fragmentos do seu precioso universo e voltar para a prancheta. Em grupos de escrita é onde vence o seu contrato de locatário da verdade e você apanha e a mãe não vê. E isso é muito bom, para te por na linha.
É igual descer para o parquinho com o brinquedo novo depois do natal e as crianças grandes destruírem seu presente.
Que delícia.
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