Ou seja, fudeu, né? Agora é jogar tudo para cima, entregar o comando para a skynet, baixar a cabeça, comprar um terreninho para plantar mandioca e se preparar para virar escravo das máquinas.
Já está todo mundo sabendo, é claro. Menos você que tem o bom senso de ficar longe do xwitter ou não se importa com as fofocas do meio literário (sim, isso existe!), explico: estamos nós todos, escritores, designers, desenhistas e etecéteras em pandarecos com esse mais novo desdobramento do fim dos nossos dias. É, cada dia a mentirinha do calendário maia do fim do mundo fica mais coerente.
O Jabuti é o prêmio literário mais prestigiado com o nome mais feio que existe. Em sua sexagésima quinta edição (não entendeu o número? Faz as contas) já revelou grandes nomes da literatura brasileira como por exemplo vai lá ler no site deles e além de ser o top da balada brazuca ainda forra bem o bolso do agraciado (R$ 5 mil para o finalista e mais R$ 70 mil para a pole position.)
Corta para 2023, aparentemente o ápice da década da besta quando um senhor designer (não um ilustrador) sacou as IAs de desenho e explicou como queria as ilustrações. E como o Jabuti tem um formulário lá meio curto e grosso de inscrição, logicamente ninguém cogitou perguntar se o ilustrador tinha utilizado photoshop, procreat, nanquim, sangue de virgens ou caneta bic. E, sem nenhuma vergonha ou fibra moral, inscreveu o livro na categoria ilustração e, pimba, classificou entre os 10 mais.
E a técnica utilizada não era nenhum segrego! Tá escrito na divulgação da publicação do livro, teve live do editor e do ilustrador conversando sobre, etc, etc. Ou seja, o júri do Jabuti não deu aquela famosa googlada no livro.
A história termina com: diversas reportagens, gritaria no xwitter, Jabuti diz que não sabia, o editor diz que o concurso não proíbe a prática o livro não vai ganhar o prêmio de 70 milhas e no ano que vem no pé do formulário de inscrição vai ter uma caixinha para você clicar declarando que IAs não foram utilizadas na criação dessa obra e fim. Bola para frente. Somos todos inocentes, viva!!
Agora um interlúdio cultural: IA não é uma ferramenta como outra qualquer. É uma ferramenta danosa quando bem ou mal utilizada. A Inteligência Artificial não é uma coisa nem outra. Não é uma inteligência. É uma copiadora probabilística. É um feito de engenharia impressocrível, lógico. Mas é uma máquina que aprende e repete da melhor forma possível. O aprendizado dessa máquina veio, é claro, do esforço humano. As IAs “leram" todas as imagens da internet e podem interpretar e reproduzir. E estão acessíveis para qualquer pessoa. E as imagens lidas não brotaram da natureza. Nasceram do esforço criativo de artistas que serão abandonados e esquecidos no meio do processo. Alguém vai ganhar dinheiro com as IAs, mas não quem fornece a matéria prima.
Mas, voltando ao prêmio literário, nós temos aqui duas possibilidades:
o júri sabia o que estava acontecendo e foi cuzão para um caralho ou, o que é pior,
o júri não sabia o que estava acontecendo.
Se a), então compete a gente rodar uma baiana bem rodada. Dentro de a) cabem hipóteses como “o júri foi comprado” ou “o júri achou inovador o uso da IA” ou “o júri não sabe diferenciar o que é arte de verdade de uma arte morta, sem alma” ou um bando de teorias da conspiração. Nada que torne o prêmio mais justo e correto. Que merda, era o mais prestigiado da literatura e a gente realmente precisava dele.
Mas se b), então, piorou. Piorou porque aqui dentro dessa caixa preta cabe o fato de que o júri do Jabuti (que muda todo ano) tem toda competência para entender arte e avaliar, além da técnica, cores, luz e sombra, texturas, estéticas e referências, também a intenção do artista, a proposta e a execução, o discurso por trás da arte, etc, etc. Ou seja, a alma daquela ilustração. Se isso for verdade, então a IA, comandada por um experiente e competente designer, consegue sim, criar arte.
E se a IA faz arte. Quem somos nós? O que nos faz gente?
Resumo da ópera: se o júri for culpado, foi ruim mas tem conserto. Tem punição e prevenção. Se o júri foi inocente, fudeu bem fodidinho porque o(s) próximo(s) operadores das IAs podem não querer divulgar que aquela arte tenha sido fabricada com copia e cola das galáxias. Ou, pior, algum dia o comandante pode não ser mais necessário.
Já fora do meio literário, um bando de adolescentes recifenses encontrou uma IA que manipulava fotos de meninas da sua escola e colava seus rostos em corpos nus. Um crime, obviamente muito mais grave do que trapacear em um concurso literário. Ou seja, a IA se demonstra uma brilhante ferramenta para destruir nossa confortável vivência no meio digital.
Ao que parece a única solução é que TODA - ABSOLUTAMENTE TODA - criação das “inteligências artificiais” contenha uma assinatura digital contendo nome, RG e CPF dos seus “comandantes”.
Tecnologia para isso existe. Haverá boa vontade?
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